As vítimas, que incluem mulheres e uma criança, acusam integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do qual faziam parte. “A gente estava deitado quando percebemos que toda a luz do acampamento foi cortada. Depois o pessoal do MST chegou nos carros, todo mundo armado, e obrigou a gente a sair. Bateram em minha cara, na minha barriga, em minha mulher, amarraram as mãos do meu filho e ainda pisaram no rosto dele, apontaram as armas para as minhas filhas. Foi terrível”, contou Valmir da Conceição Oliveira, 51 anos, uma das pessoas espancadas.
Após as agressões, as famílias de Valmir – composta por ele, a mulher e os três filhos – e da presidente da associação dos produtores rurais do assentamento, Vanusa dos Santos de Souza – formada por ela e dois filhos, sendo uma menina de oito anos – foram jogadas no fundo de picapes e largadas em pontos distintos, longe do assentamento, mas ainda em Prado.
O caso foi registrado na delegacia da cidade. Segundo o delegado Kléber Gonçalves o inquérito foi instaurado pelos crimes de associação criminosa, ameaça, lesão corporal e porte ilegal de arma de fogo. “Já identificamos e estamos agora qualificando os acusados para que as devidas providências sejam adotadas”, disse o delegado.
Rompimento
As famílias agredidas contam à polícia e ao CORREIO que deixaram de fazer parte do MST há dois anos e resolveram fundar um assentamento independente dentro da própria área, onde atualmente moram 173 famílias. Segundo as vítimas, o motivo do rompimento é porque o MST não é a favor da legalização das terras, prevista em uma portaria criada pelo governo federal que visa garantir a regularização para os assentados terem direito de posse.
“O MST vive de alugar as áreas para a pastagem de gado. Ganham muito dinheiro com isso. A partir do momento da regularização, as terras que eram alugadas para os fazendeiros passam a ser destinadas à moradia. Foi por isso que deixamos o movimento”, declarou Valmir.
No assentamento vivem mais de 170 famílias, mas o ataque só foi direcionado a essas duas casas. “Escolheram nós porque estamos à frente dessa mobilização independente. Eu e Vanusa estamos correndo atrás para a regularização da associação. O que fizeram foi uma forma que eles acharam de intimidar a gente e os demais. Apesar de a gente ter perdido a nossa casa e quase as nossas vidas, nós não temos medo e vamos continuar”, declarou.
Ainda de acordo com Valmir, há dois anos, ele e Vanusa são ameaçados pelo MST e por isso pediram ao governo federal a ajuda da Força Nacional de Segurança Pública, que veio à Bahia por conta dos conflitos nos assentamentos do MST nas cidades de Mucuri e Prado.
As tropas desembarcaram na Bahia em setembro do ano passado, mas logo depois o ministro Edson Fachin determinou a liminar pleiteada pelo estado da Bahia, requerendo a retirada da Força Nacional.
A Procuradoria Geral do Estado (PGE) ajuizou, perante o Supremo Tribunal Federal (STF) , uma Ação Civil Originária, com pedido de liminar em tutela de urgência, solicitando a nulidade da Portaria nº 493/2020, que autorizou o emprego da tropa nas cidades de Prado e Mucuri, para suposto apoio a ações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, pelo período de 30 dias a partir de 3 de setembro de 2020.
O que diz o MST
Procurado, o MST afirmou que Vanusa dos Santos de Souza faria parte de uma frente supostamente chefiada por uma secretaria do governo federal que tem como objetivo dividir assentamentos e retirar a bandeira do MST das comunidades.
Dirigente do MST na Bahia, Evanildo Costa afirma que essa tentativa de tirar a bandeira do Movimento em comunidades e assentamentos é algo que “cria muitos problemas nas comunidades, que resiste e não deixa isso acontecer”.
“Vanusa é de um acampamento que estamos ocupando há um bom período no município de Prado. A proposta deles é para criminalizar o MST”, afirma Evanildo.
De acordo com o dirigente, a tentativa de legalização das terras, é, na verdade, uma proposta de privatizar assentamentos para estimular a venda de lotes de forma individual e enfraquecer a atuação do MST como um todo.
“O governo federal veio com a proposta de privatizar assentamentos através da emissão de títulos definitivos para a comunidade, para incentivar a comercialização de lotes para poder desmoralizar a reforma agrária. No final, sequer há títulos, há somente o CCU, que é o contrato de concessão de uso. Isso sempre eles tiveram”, disse Evanildo.
O dirigente afirma que as comunidades resistem a essas tentativas de enfraquecimento do MST e que, por isso, entende que a comunidade está correta em afastá-la do acampamento.
Ainda segundo Evanildo, não houve qualquer prática violenta ou depredação das casas das duas famílias, que foram comunicadas verbalmente sobre o afastamento e não tiveram seus bens vandalizados. Ele alega que foi a própria família de Vanusa quem quebrou tudo para criminalizar o MST.
“Eles que fizeram vandalismo com o objetivo de crimilizar as famílias por afastá-los. Estou aqui agora, cheguei um dia após o fato. Amanhã [hoje] vamos nos reunir com as famílias da comunidade para dizer que eles estão certos em tomar a decisão de se livrar dessas pessoas. Para ter paz, temos que afastar esses estelionatários que estão em torno dessas famílias”, declarou.
Da Redação NCN=Nossa Conexão News com CORREIO