Um templo religioso histórico, porém desconhecido da maioria da população, será reaberto, após 1 ano de luto pelo falecimento de sua última mãe de santo: Dicundá (Mãe Dilza). O Terreiro de Candomblé da nação angola Unzo de N’Dicundá nisalunda Keuase fica em uma casa, cuja fachada esconde um imenso quintal, com muitas plantas de todos os tipos, localizada na Rua Carlos Azevedo, nº 324, bem no Centro da cidade.
De sábado até segunda-feira, 4, 5 e 6 de fevereiro, com três dias de festa em Memória de Mãe Dilza (Dicundá), o Unzó reabre as suas portas para as cerimônias de 51 anos de Mametu Dandalunda e do Kijngo Luvalú (Sucessão do Cargo). Todos estão convidados a participar desse momento de celebração, basta usar roupas claras e ter vontade de conhecer o novo, desmistificando o preconceito, que ainda vigora na sociedade.
“Terreiro que resiste às duras consequências do racismo religioso em Alagoinhas, de movimento político para o povo preto, palco de pautas feministas para as mulheres pretas que compõem o movimento de igualdade entre os gêneros e luta por direitos”, declara Ney Lucas Coelho de Andrade, Táta Ndenguê do terreiro, que é herança de Joazinho da Golmeia, conhecido nacionalmente como o “Rei do Candomblé”. Contam os mais velhos que ele vinha andando de Inhambupe, durante dois dias, para disseminar a sua religião em Alagoinhas, hoje preservada de geração a geração.
“Do muro do barracão para fora, Mãe Dilza era uma pessoa, que brincava, dava risada, bebia a cervejinha dela. Mas aqui no barracão, até a fisionomia dela mudava, era muito respeitadora das regras: homem de um lado, mulher do outro, dentre outras. Sentada em sua cadeirinha, ela olhava o barracão todo dela, quem tava de roupa curta, quem era casado e estava muito perto. Além disso, era limpíssima, em todos os sentidos. Tinha um amor imenso pela nação Angola, amor aos ancestrais. Era conhecida como mãe linho, por conta das roupas, e tamanquinho de ouro, por conta dos saltos dessa cor”, declarou o neto Lucas, que presenciará, agora, a sua mãe biológica ocupar o lugar de sua avó no candomblé de Angola.
“É uma honra levar o nome de minha Mãe para mais trinta, quarenta, cinquenta anos, para as gerações futuras que estão chegando. Vamos reabrir com todas as honras”, declarou a sacerdotisa Bárbara, que assumirá o posto de Mãe de Santo do terreiro. Segundo ela, quem quiser fazer parte do Unzó, a primeira coisa é conhecer o lugar, a raiz, visitar e se sentir bem”. Mãe Bárbara explicou que a função que irá assumir consiste em continuar as obrigações dos seus antepassados, dar seguimento nos novos filhos e manter a tradição que foi deixada. “Nada pode ser diferente. Uma pedra não pode ser tirada do lugar. Tudo tem que ser como era antes. Ou seja, manter a tradição de verdade”.
Fotos Roberto Fonseca| SECOM
O babalorixá Alan,do Ilê Axé Omi Layó, situado em Cajazeiras VI, em Salvador, veio da capital para outorgar a nova Mãe de Santo. Para ele, “o respeito é a base de tudo. Em tempos de retrocesso, não quero que nos tolerem, mas que nos respeitem”.
O Unzó foi inaugurado em 18 de fevereiro 1995, tendo por fundadora Dilza Maria (Mametu N’kissi), iniciada por SAMBA DE AMONGO E AJAPEUÍ, netos do terreiro de João da Gomeia, propulsor do candomblé de Angola, linhagem que possui seus próprios ritos e nomenclaturas.
Pai pequeno da casa, babalalorixá com seu próprio terreiro e também conhecido como Lucas Gogó de Ouro, ele informou que a energia que rege o Unzó é o Tempo, representado por uma árvores, cujas raizes representam o passado; tronco, o presente; e a copa é o futuro. Ele mostrou a bandeira da nação Angola, que se difere da Ketu, por exemplo, pela forma como o ritmo é tocado, diretamente com as mãos e não com varetas. “Sou iniciado em outra linhagem, mas sou neto sanguíneo de uma angoleira”.
“Nós conseguimos nos manter com as linhagens que ele deixou, como uma árvore frutífera, com o pólen fertilizando e tornando a brotar o nosso culto. A gente não dança em sentido horário, a gente dança no sentido anti-horário para poder retornar ao passado. Nossa primeira reverência é para os nossos ancestrais, a nossa religião sobrevive com o antigo. É impossível fazer um candomblé somente atual, com pessoas atuais, com pessoas de agora”, ressaltou Lucas.
Lucas também citou os N’kissis como especificidade do candomblé de angola, as divindades cujos elementais encontram-se na Natureza, chamados de Orixás na nação nagô e os Voduns da nação jeje.
“Desde o dia doze de janeiro começamos os rituais para os ancestrais seguidos de Exu e percorremos todo o ciclo, até chegar nessa culminância, com a nossa divindade que corresponde a Oxalá, cobrindo tudo com seu manto branco, finalizando com sua energia de paz e dando o caminho de luz pra todos nós continuarmos”.
De acordo com Táta Ndenguê do Unzó Lucas, o bispo diocesano, dentre outros líderes religiosos, foram convidados para as festividades. “Todos são muito bem-vindos”, disse, lembrando que o Unzó foi o primeiro a participar do mapeamento de terreiros realizados pela Prefeitura de Alagoinhas, por meio da Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo (SECET). A Secretaria de Assistência Social (SEMAS), por meio da Coordenação de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, tem lutado incansavelmente pela visibilidade e respeito das religiões de matriz africana.
Fotos Roberto Fonseca| SECOM
Fotos Roberto Fonseca| SECOM